segunda-feira, 8 de maio de 2017

SUSPENSÃO DO SERVIÇO PÚBLICO EM DECORRÊNCIA DE INADIMPLEMENTO DO CONSUMIDOR

1. INTRODUÇÃO
O presente trabalho tem como objetivo analisar a possibilidade jurídica do prestador de serviço público, suspender a prestação desse serviço em razão do não pagamento da remuneração devida pelo usuário/consumidor.

2. DESENVOLVIMENTO
A Constituição Federal de 1988 em seu artigo 175 estabelece que “incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob o regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos”.
Neste sentido, o parágrafo único do referido artigo preleciona que “A lei disporá sobre: [...] IV -  a obrigação de manter o serviço adequado”.
Assim, antes de adentrar na discussão que circunda a possibilidade de interrupção da prestação do serviço público em decorrência de inadimplemento do consumidor, é importante entendermos em que consiste o “serviço adequado”.
Nesta esteira, a redação do artigo 6º, §1º da lei 8.987/95 estabelece que “serviço adequado é o que satisfaz as condições de regularidade, continuidade, eficiência, segurança, atualidade, generalidade, cortesia na sua prestação e modicidade das tarifas”
Destaca-se, no conceito de serviço adequado trazido pela lei 8.987/95, o princípio da continuidade, por vezes, denominado de princípio da permanência.
Segundo esse princípio, o serviço público não pode parar nem ser interrompido, por ser o meio utilizado pelo Estado para desempenhar as funções essenciais ou necessárias à coletividade. Logo, os serviços públicos, além de observar outros princípios, devem ser prestados de forma contínua.
O princípio da continuidade por vedar a interrupção dos serviços públicos, aplica-se somente no âmbito do Estado prestador sendo certo que não vale para outros domínios, tais como poder de polícia, atividade econômica, fomento, atuações políticas e funções legislativas e jurisdicionais.
Dada sua importância, o princípio da continuidade também foi garantido no Código de Defesa do Consumidor em seu artigo 22:
“Art. 22. Os órgãos públicos, por si ou suas empresas, concessionárias, permissionárias ou sob qualquer outra forma de empreendimento, são obrigados a fornecer serviços adequados, eficientes, seguros e, quanto aos essenciais, contínuos”.
Verifica-se que, a continuidade constitui garantia do usuário que não se altera diante da forma de prestação do serviço.
Além disso, como visto o princípio da continuidade está expressamente previsto no art. 6º, §1º da Lei 8.987/95, e seu fundamento reside no fato de a prestação de serviços públicos ser um dever constitucionalmente estabelecido, localizando-se, portanto, acima da vontade da Administração Pública, que não tem escolha entre realizar ou não a prestação.
No entanto, a Lei 8.987/95 cuidou de traçar algumas situações excepcionais que torna possível a interrupção do serviço sem que caracterize descontinuidade e, consequentemente, desrespeito ao princípio da continuidade.
Vejamos:
Art. 6º Toda concessão ou permissão pressupõe a prestação de serviço adequado ao pleno atendimento dos usuários, conforme estabelecido nesta Lei, nas normas pertinentes e no respectivo contrato.
...
§3º Não se caracteriza como descontinuidade do serviço a sua interrupção em situação de emergência ou após prévio aviso:
I – motivada por razões de ordem técnica ou de segurança das instalações; e,
II – por inadimplemento do usuário, considerado o interesse da coletividade.
Entretanto, apesar da ressalva trazida pela Lei, inevitavelmente surgiu divergências na doutrina, onde uma corrente minoritária sustenta a inconstitucionalidade na interrupção do serviço por falta de pagamento, sob o argumento de que haveria violação ao princípio da dignidade da pessoa humana (art. 1º da CF). Além disso, argumenta-se também que o Estado possui meios próprios para exigir o valor devido pelo usuário, através de execução fiscal, sem necessidade de interromper a prestação.
A corrente majoritária, por sua vez, segue a linha traçada pelo artigo 6º, §3º da Lei 8.987/95 e entende que é lícito o corte do fornecimento do serviço, após prévio aviso, nos casos de: a) razões de ordem técnica ou de segurança das instalações; e b) inadimplemento do usuário.
No mesmo sentido, é o entendimento jurisprudencial do STJ, haja vista que considera legítimo o corte no fornecimento de serviços públicos essenciais, quando inadimplente o usuário, desde que precedido de notificação.

3. CONCLUSÃO
Assim, conclui-se que a divergência evidencia-se diante da relevância do tema haja vista a relação existente entre o princípio da continuidade da prestação do serviço público com o princípio da dignidade da pessoa humana.
Neste sentido, não pairam dúvidas de que os serviços são imprescindíveis para a consecução de atividades básicas e fundamentais na vida do usuário/consumidor.
Contudo, a própria Lei que regulamenta o regime de concessão e permissão da prestação de serviços públicos previsto no art. 175 da Constituição Federal, traz a relativização do princípio da continuidade frente ao inadimplemento do usuário, para suspender a prestação do serviço sem que haja a descaracterização da continuidade.
Ademais, como visto, o Superior Tribunal de Justiça fixou entendimento e considerou legítimo o corte no fornecimento de serviços públicos essenciais quando houver inadimplemento do usuário, desde que precedido de notificação.
Assim, entende-se adequada a relativização do princípio da continuidade nos casos de inadimplemento do usuário, pois em que pese as concessionárias de serviço público possuir uma relação contratual com a Administração Pública, também possuem uma relação jurídica com os usuários e, sendo assim, deve haver uma contrapartida por parte do consumidor, sendo que, uma vez não cumprido seu dever, é legítimo, como visto, a adoção da medida de relativização do princípio da continuidade do serviço público pela concessionária.

4. REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>. Acesso em: 12.03.2017.
BRASIL. Lei nº 8.987, de 13 de fevereiro de 1995. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8987cons.htm>. Acesso em: 12.03.2017. 
BRASIL. Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8078compilado.htm>. Acesso em: 12.03.2017. 
BRASIL, Superior Tribunal de Justiça. Jurisprudência em teses. Disponível em <http://www.stj.jus.br/internet_docs/jurisprudencia/comparativo/CORTE%20NOS%20SERVI%C3%87%C3%95S%20P%C3%9ABLICOS%20ESSENCIAIS%201.pdf> Acesso em 12.03.2017.
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 21ª edição. Rio de Janeiro, RJ: Editora Lumen Juris, 2009.
MARINELA, Fernanda. Direito Administrativo. 4ª edição. Niterói, RJ. Editora Impetus, 2011.
MAZZA, Alexandre. Manual de Direito Administrativo. 6ª edição – São Paulo. Saraiva, 2016.

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